Sempre achei uma hipocrisia e uma negação a natureza humana essa idéia de imparcialidade, de neutralidade dos jornalistas diante dos fatos por eles retratados. Coincidência foi a afirmação deste pensamento, quando li no texto de Maurice Mouillaud, "A crítica do acontecimento ou o fato em questão", indicado pela professora de Crítica e Mídia, que diz: "uma ideologia dominante faz com que certas ocorrências apareçam no campo da informação, enquanto outras são afastadas do mesmo campo; uma moldura arbitrária é aplicada sobre a realidade"; e ainda; "as notícias devem ser interpretadas como o resultado de acordos - implícitos ou explícitos - entre os agentes das redes (networks), e como as redes profissionais são elas mesmas entremeadas com os estabelecimentos político e sociais, as news aparecem como o desafio de estratégias nas quais intervêm 'promotores', 'montadores' do acontecimento".
Domingos Meirelles contou que estreou como jornalista em 65, no jornal Última Hora, acolhido pelo amigo Maurício Azedo. Ele disse que escolheu o jornal, que não era motivo de status que tinha mas uma visibilidade considerável, porque era arduamente simpatizante de sua linha editorial, o único contra o golpe militar, a cassação de JK e outras coisas da época, segundo ele absurdas e inaceitáveis.
Em 66 foi contratado pela Editora Abril, onde entrou pela Revista 4 Rodas. Depois de lerem duas matérias de Domingos, uma sobre um cego que conseguiu tirar carteira de motorista, e a outra sobre roubo de automóveis no Brasil que eram vendidos no Paraguai, o pessoal da revista Realidade, também da editora Abril, o chamou para trabalhar com eles. Depois Domingos passou pelo Jornal da Tarde, pelo O Globo e pelo Estadão, quando a Rede Globo o descobriu. Na globo começou no Jornal Nacional e mais tarde foi para o Fantástico. Apesar de hoje em dia ser o apresentador do linha direta ele nem comentou a respeito deste programa na palestra.
Domingos contou que foi ao fazer uma reportagem especial sobre os 50 anos da coluna Prestes em 74 para o Estadão, que ele iniciou seu interesse por literatura. Depois da publicação da matéria, ele analisou o enorme conteúdo que tinha ficado de fora e abraçou o conselho do amigo Fernando Moraes. Resolveu então escrever seu primeiro livro; "A noite das grandes fogueiras". Para atrair a atenção de leitores e deixar a leitura de seu primeiro mais agradável, Domingos disse ter usado técnicas romanescas para reproduzir a história, mas deixou bem claro que não abriu espaço para ficção, pelo contrário, seu principal interesse era retratar detalhadamente a saga da Coluna Prestes. Um exemplo que ele deu foi a pincela poética que usou para descrever a caligrafia de Washington Luiz na carta de resposta à Antônio Carlos Andrada. Ele escreve que as letras tombadas iam decaindo gradativamente ao longo do texto, até chegar no final quase deitada, como um barco que afunda aos poucos: "O topo das letras tocando as pautas pareciam os mastros tocando a água".
Certa hora da palestra ele disse: "Talvez a pior tragédia desse país, é ser um país de cidadãos não-leitores e isso é pior do que a dengue. Nós estamos construindo um país de pessoas cada vez mais alienadas, mais bestializadas”. Domingos expôs que o conhecimento, a informação, o saber, deveriam circular verticalmente e nunca se deve aceitar que o mesmo seja monopolizado, mas sim, incentivar sua circulação e sua recepção, incentivar a leitura, o diálogo. Sobre o acesso aos livros e à informação ele palestrou contando dois casos interessantes. Estava ele certa vez em um hotel de São Paulo, quando um jovem servente do local o reconheceu, ao recolher sua roupa para passar. Com certo espanto ele contou ter achado muito bacana um jovem, pobre, trabalhador da "catacumba" de um hotel, tê-lo reconhecido como autor. Perguntou ao jovem se ele tinha um exemplar do livro e o jovem respondeu que não, mas, já tinha o lido duas vezes. Depois contou que abastecendo o carro num posto de Ipanema, o frentista veio perguntar detalhes sobre o tema de segundo livro, recém-lançado na época. Esse ganhou logo o livro com dedicatória. Com isso, Domingos aproveitou para lembrar que não tem acesso aos livros é quem tem preguiça, quem diz que o livro é caro, que não tem dinheiro, mas o que falta mesmo é disposição de ir até a biblioteca municipal ou mesmo até a biblioteca das universidades públicas da cidade.
Ao final da palestra ele ressaltou a importância do jornal impresso na sociedade. Segundo ele o jornal não é o papel velho que os professores universitários tanto pregam. O jornal, para Domingos, é antes de tudo um documento histórico. Assim como a literatura também pode ser. Seus livros são exemplos disso e ele ainda lembrou que o livro "O cortiço" de Aluísio de Azevedo, é insuperável nesta questão, analisando a descrição do ambiente, das pessoas e da cultura carioca popular da época.
Indagado sobre porque nos anos do regime militar existiam tantos jornais de caráter protestante e esquerdista; e hoje em dia, muitos desses jornais perderam a essência e não apareceram novos jornais com o mesmo caráter. Meirelles respondeu que os jornalistas de hoje, salvo raríssimas exceções, trabalham para os donos das empresas em que trabalham e não para o povo. Os interesses agora estão de cabeça pra baixo. Os novos jornalistas já estão entrando no ramo com a consciência de que serão reféns do mercado. Já saem da faculdade com essa idéia. Concluiu no final de que cabe também aos professores o dever de não deixar morrer o espírito ideológico e contestatório, tão peculiar aos jovens, em seus alunos. Mais além, ele sugere aos professores estimular certa indignação e anseio a melhorias e mudanças.
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