sexta-feira, 25 de abril de 2008

Democracia - Fins e Meios da/de Comunicação

Quando tratamos de democratização dos meios de comunicação, no que diz respeito a informação e a formação de opiniões, logo caímos no questionamento da defesa da categoria dos jornalistas. O escritor, jornalista e crítico de mídia Eugênio Bucci esteve em Belo Horizonte na quarta-feira passada para discutir o tema “TV pública na era digital”, no terceiro seminário realizado pela Rede Minas.

Um dos assuntos centrais da palestra foi a defesa da categoria, que aliás, sou da mesma opinião de Bucci a respeito e gostei muito do que ele disse. Tanto que a disponibilizo nas próprias palavras do autor:

TV Pública na Era Digital

Acompanhado do presidente da Rede Minas e da Abepec (Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais), Antônio Achilis, Bucci palestrou das 10 da manhã até às 12:30 discorrendo sobre vários assuntos e respondendo às perguntas dos diversos profissionais de comunicação presentes, além de falar um pouco sobre o que ele aborda em seu último livro: “Em Brasília, 19 horas" - segundo o autor, este livro é o inventário dos erros cometidos na gestão da Radiobrás (Empresa Brasileira de Comunicação S.A) - que dirigiu de janeiro de 2003 a abril de 2007 - e pretende contribuir no sentido de explicitá-los para que não se repitam.

Bucci começou dizendo que a principal crise da comunicação pública não é de recursos financeiros, tampouco recursos humanos, ao contrário do que os profissionais da área tanto pregam. O maior e principal problema seria a clareza de propostas e a coesão entre as equipes. Ele lembra a letra de Raul Seixas quando diz: “Sonho que se sonho só, é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade”. Para ele o principal entrave é a falta de perspectivas, de objetivos e o empenho mútuo em alcançá-los. Assista aqui o trecho onde ele discorre e questiona a respeito:

Como ex-membro da Abepec e amigo direto dos integrantes da instituição, ele deu o testemunho de várias emissoras com grande contingente de profissionais que não produzem nada de interessante ao público, no melhor sentido da expressão, e ainda replicam os erros das emissoras comerciais – apontados no vídeo acima. Para Bucci tais emissoras deveriam ser asfixiadas para o próprio bem e principalmente para o bem dos cidadãos. Equipes não comprometidas, não engajadas e muitas vezes não autoras dos próprios projetos, ferem a competência da instituição (Abepec) uma vez vinculadas a ela.

Ele ressaltou que a resistência às inovações (com respaldo legal/sindicato) é outro atraso para o avanço da comunicação pública. As barreiras contra as inovação tecnológicas são mais sérias nas emissoras públicas do que nas comerciais, pois há o discurso defensivo dos técnicos. Como fica o iluminador, o cinegrafista? Bucci deixou claro que não quer desmerecer o papel de nenhum profissional, mas que é importante encarar algumas verdades e uma delas é que o repórter sozinho hoje pode fazer uma matéria de ótima qualidade, sozinho. “Não é pra desclassificar, é pra aprimorar”.

Outro empecilho da comunicação pública é a caretice da programação, segundo Bucci, que muitas vezes é obrigatória, pois tem rabo preso com as instituições públicas das quais as emissoras pertencem, como é o caso da TV Câmara, que aliás, tinha algumas representantes no local. Uma programação mais atraente seria um dos passos básicos para se fazer um jornalismo público de mais visibilidade e consequentemente de maior qualidade.

Um erro grave no pensamento do fazer comunicação pública apontado por Bucci foi o de que a comunicação pública deve existir pra combater as distorções das emissoras comerciais. “Mesmo se as emissoras comerciais tiverem uma programação ótima, a TV pública ainda se faz necessária. Uma coisa não depende da outra neste caso”, contrapôs.

Ainda lembrou que o engajamento da sociedade nas transformações da comunicação é fundamental, no sentido de cobrar melhorias reais e produzir críticas que vão além do âmbito doméstico. A TV Digital, segundo ele, pode ser usada, ao contrário da propaganda que tanto fazem, apenas para reafirmar a capitania hereditária da TV nacional. Se o povo deixa, não vai ser usada pra multi-programação, nem para interatividade, tampouco para fomentar as produções independentes. E o quadro vai continuar o mesmo.

Obs: Assistam aos vídeos e leiam a biografia de Eugênio Bucci! Quem quiser o vídeo do seminário na íntegra é só pedir no e-mail: gabrielpires87@gmail.com

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quinta-feira, 10 de abril de 2008

Muito me chamou atenção a arquitetura da casa de número 1.466 da rua da Bahia, pela quase já passei na porta tantas vezes sem reparar. Além dos belos móveis antigos e caprichados adornos nas pilastras, arestas e janelas....

Jornalismo Literário

...gostei muito de ouvir que o jornalista deve, sim, assumir uma posição diante dos acontecimentos dos quais trata em suas reportagens. Quem disse foi Domingos Meirelles, jornalista há 43 anos, convidado a palestrar (e de quebra lançar seu segundo livro "1930: os órfãos da Revolução ") pelo jornal "Hoje em Dia", que comemora 20 anos, junto com a Academia Mineira de Letras, que comera seu centenário.

Sempre achei uma hipocrisia e uma negação a natureza humana essa idéia de imparcialidade, de neutralidade dos jornalistas diante dos fatos por eles retratados. Coincidência foi a afirmação deste pensamento, quando li no texto de Maurice Mouillaud, "A crítica do acontecimento ou o fato em questão", indicado pela professora de Crítica e Mídia, que diz: "uma ideologia dominante faz com que certas ocorrências apareçam no campo da informação, enquanto outras são afastadas do mesmo campo; uma moldura arbitrária é aplicada sobre a realidade"; e ainda; "as notícias devem ser interpretadas como o resultado de acordos - implícitos ou explícitos - entre os agentes das redes (networks), e como as redes profissionais são elas mesmas entremeadas com os estabelecimentos político e sociais, as news aparecem como o desafio de estratégias nas quais intervêm 'promotores', 'montadores' do acontecimento".

Domingos Meirelles contou que estreou como jornalista em 65, no jornal Última Hora, acolhido pelo amigo Maurício Azedo. Ele disse que escolheu o jornal, que não era motivo de status que tinha mas uma visibilidade considerável, porque era arduamente simpatizante de sua linha editorial, o único contra o golpe militar, a cassação de JK e outras coisas da época, segundo ele absurdas e inaceitáveis.

Em 66 foi contratado pela Editora Abril, onde entrou pela Revista 4 Rodas. Depois de lerem duas matérias de Domingos, uma sobre um cego que conseguiu tirar carteira de motorista, e a outra sobre roubo de automóveis no Brasil que eram vendidos no Paraguai, o pessoal da revista Realidade, também da editora Abril, o chamou para trabalhar com eles. Depois Domingos passou pelo Jornal da Tarde, pelo O Globo e pelo Estadão, quando a Rede Globo o descobriu. Na globo começou no Jornal Nacional e mais tarde foi para o Fantástico. Apesar de hoje em dia ser o apresentador do linha direta ele nem comentou a respeito deste programa na palestra.

Domingos contou que foi ao fazer uma reportagem especial sobre os 50 anos da coluna Prestes em 74 para o Estadão, que ele iniciou seu interesse por literatura. Depois da publicação da matéria, ele analisou o enorme conteúdo que tinha ficado de fora e abraçou o conselho do amigo Fernando Moraes. Resolveu então escrever seu primeiro livro; "A noite das grandes fogueiras". Para atrair a atenção de leitores e deixar a leitura de seu primeiro mais agradável, Domingos disse ter usado técnicas romanescas para reproduzir a história, mas deixou bem claro que não abriu espaço para ficção, pelo contrário, seu principal interesse era retratar detalhadamente a saga da Coluna Prestes. Um exemplo que ele deu foi a pincela poética que usou para descrever a caligrafia de Washington Luiz na carta de resposta à Antônio Carlos Andrada. Ele escreve que as letras tombadas iam decaindo gradativamente ao longo do texto, até chegar no final quase deitada, como um barco que afunda aos poucos: "O topo das letras tocando as pautas pareciam os mastros tocando a água".

Certa hora da palestra ele disse: "Talvez a pior tragédia desse país, é ser um país de cidadãos não-leitores e isso é pior do que a dengue. Nós estamos construindo um país de pessoas cada vez mais alienadas, mais bestializadas”. Domingos expôs que o conhecimento, a informação, o saber, deveriam circular verticalmente e nunca se deve aceitar que o mesmo seja monopolizado, mas sim, incentivar sua circulação e sua recepção, incentivar a leitura, o diálogo. Sobre o acesso aos livros e à informação ele palestrou contando dois casos interessantes. Estava ele certa vez em um hotel de São Paulo, quando um jovem servente do local o reconheceu, ao recolher sua roupa para passar. Com certo espanto ele contou ter achado muito bacana um jovem, pobre, trabalhador da "catacumba" de um hotel, tê-lo reconhecido como autor. Perguntou ao jovem se ele tinha um exemplar do livro e o jovem respondeu que não, mas, já tinha o lido duas vezes. Depois contou que abastecendo o carro num posto de Ipanema, o frentista veio perguntar detalhes sobre o tema de segundo livro, recém-lançado na época. Esse ganhou logo o livro com dedicatória. Com isso, Domingos aproveitou para lembrar que não tem acesso aos livros é quem tem preguiça, quem diz que o livro é caro, que não tem dinheiro, mas o que falta mesmo é disposição de ir até a biblioteca municipal ou mesmo até a biblioteca das universidades públicas da cidade.

Ouça aqui o trecho em que ele conta esses episódios:.

Ao final da palestra ele ressaltou a importância do jornal impresso na sociedade. Segundo ele o jornal não é o papel velho que os professores universitários tanto pregam. O jornal, para Domingos, é antes de tudo um documento histórico. Assim como a literatura também pode ser. Seus livros são exemplos disso e ele ainda lembrou que o livro "O cortiço" de Aluísio de Azevedo, é insuperável nesta questão, analisando a descrição do ambiente, das pessoas e da cultura carioca popular da época.

Indagado sobre porque nos anos do regime militar existiam tantos jornais de caráter protestante e esquerdista; e hoje em dia, muitos desses jornais perderam a essência e não apareceram novos jornais com o mesmo caráter. Meirelles respondeu que os jornalistas de hoje, salvo raríssimas exceções, trabalham para os donos das empresas em que trabalham e não para o povo. Os interesses agora estão de cabeça pra baixo. Os novos jornalistas já estão entrando no ramo com a consciência de que serão reféns do mercado. Já saem da faculdade com essa idéia. Concluiu no final de que cabe também aos professores o dever de não deixar morrer o espírito ideológico e contestatório, tão peculiar aos jovens, em seus alunos. Mais além, ele sugere aos professores estimular certa indignação e anseio a melhorias e mudanças.

Ouça aqui os melhores trechos da palestra:.