
Além de informar e comover, inspirou o público presente contando seus pontos de vistas e perspectivas quanto ao futuro do país.
Ela conta que seu envolvimento com a luta política contra a ditadura militar começou na faculdade. Enquanto membro do DA (Diretório Acadêmico) do curso de Serviço Social e do DCE (Diretório Central dos Estudantes) da PUC Minas, Gilse e seus companheiros lutavam por mudanças básicas nas estruturas do curso e nas normas de comportamento rígidas, consideradas por eles desnecessárias e inconvenientes. Ainda nesse tempo Gilse já lutava pelas causas femininas como a reinvidicação pelo direito ao uso de calças jeans e mini-saias.
Com o golpe em 64 e o agravamento de todo tipo de privação e repressão, os estudantes perceberam que havia lutas mais serias a serem travadas além do âmbito estudantil e da ascensão feminina. Organizaram-se então em um grupo politicamente engajado e passaram a atuar em vários protestos e a produzir panfletos e pequenos zines – impressos em copiadora de gelatina, pois era arriscado usar o mimiógrafo da universidade para tal fim – que confrontavam a filosofia militarista e pregava o socialismo, a valorização da mulher, a liberdade de expressão e o livre arbítrio.
Além de enfrentar as cobranças familiares, os dogmas religiosos, o machismo, o preconceito e a intolerância, agora eles eram considerados inimigos públicos e principalmente inimigos da polícia.
Gilse contou que sua turma não colou grau para não ser presa durante a cerimônia, pois estavam sendo procurados pela polícia. Ela lembrou a reação de seu pai ao ler no Estado de Minas a lista dos subversivos procurados e conferir o nome de sua filha como a única mulher do grupo.
Vendo o cerco se fechar cada vez mais o grupo decidiu fugir, e para não acarretar maiores problemas com a família decidiram casar entre si. Gilse queria casar de mini-saia vermelha para terror de seu pai:
-“Eles vão pensar que você não é virgem menina!”
- “Ué, mas num sô mesmo.”
- “Num fala isso que alguém pode acreditar!!!”
- “Mas é verdade pai...”
- “Num fala isso menina!!!”
Casou afinal, com um “mini-vestido”, branco mesmo. Foi então que Gilse virou Márcia e caiu na clandestinidade. Mais tarde, grávida, mudou-se para roça em 68 e de Márcia virou comadre Ceci. Durante uma das reuniões do grupo, a bolsa de Ceci, ou melhor, a bolsa de Gilse estourou e depois de algum tempo – a princípio ela pensou que não estava conseguindo segurar a urina – foi levada ao Hospital das Clínicas onde teve gêmeas aos sete meses de gestação. Devido ao nascimento prematuro as duas nasceram bem fracas e uma delas morreu com apenas 15 dias. Saiu do hospital, deixou a filha com uma amiga da universidade e voltou para a clandestinidade.
Em junho de 68 Ceci foi presa, ou melhor, Gilse foi presa - e aí começou a choradeira no auditório. Ficou confinada na solitária de onde só saia para os interrogatórios, sob tortura, claro, na penitenciária do horto. Ela descreveu com detalhes as torturas físicas que sofria diariamente; espancamentos, “pau-de-arara”, “latinha”, “telefone”, cacete com tachinhas, choques elétricos na vagina, ouvido, linha, mãos... e estupro. Além disso, contou o inferno psicológico que os militares criaram quando diziam ter capturado Juliana, sua filha com 4 meses de vida, na época. Diziam horrores e faziam, segundo ela, a pior tortura que sofreu.
Foi julgada e absolvida. Só no dia da primeira audiência que Gilse então teve notícias de sua filha, ao vê-la nos braços da mãe e da irmã pela janela do tribunal. Foram lhe concedidos alguns minutos para ter com a filha, com 8 meses na época.
Liberta, Gilse partiu para São Paulo como Léia; mais tarde foi para o interior como Júlia e posteriormente tornou-se Lia. Já com a filha - que achava a troca de nomes uma coisa natural e até divertida - e o nome de Cecília, partiu para o Ceará para lutar pela anistia. Lá permaneceu até o fim da ditadura, quando pôde revelar o nome verdadeiro à Juliana, já com 12 anos. Juliana não gostou nada do sobrenome Cosenza e pedia sempre pra trocar.
Mesmo contando fatos chocantes e comoventes Gilse arrancou além de lágrimas, muitas gargalhadas do público com seu jeito natural e espontâneo de conversar. Sem dúvida um exemplo de coragem e perseverança. Para ela tudo valeu a pena pois a ditadura não existe mais e “agora mesmo nós estamos tratando de assuntos de interesse público aqui e não tem nenhum camburão parado ali na porta nos esperando”, como ela brincou.
Embora a ditadura tenha acabado, Gilse acreditra que o sonho não acabou e que muita coisa há de ser feita. Ela ressaltou que as tentativas que falharam no passado servem mais de estímulo do que motivo de desânimo, uma vez que dão suporte para novas tentativas que não irão falhar da mesma maneira. Aos 64 anos de idade, Gilse continua com sua militância feminina, na luta pelos direitos humanos, integra a direção do PC do B e atua na Movimento Popular da Mulher.
Por fim ela disse que acredita num Brasil socialista, mas num modelo de socialismo com cara de Brasil, onde sua neta Manuela de 2 anos possa crescer com saúde e inteligência para ter uma vida livre e feliz.